Palavreado Solto...

Entrevista: Conheça a trupe do Teatro Mágico
São Paulo, 26 de dezembro de 2006
Por: Mariana Kid e Bruna Stella

Entre malabares, tecidos e esquetes teatrais, uma banda devidamente trajada de palhaço, oferece ao público durante seus shows - uma espécie de sarau circense - músicas que já se tornaram grandes hits. Pelo menos é o que acontece entre o público que lota as apresentações no Brasil à fora. Coisa rara hoje em dia, principalmente pela ditadura musical que assola as rádios e televisões, e deixa pouco espaço para quem quer divulgar sua arte. Ser reconhecido e consagrado no cenário independente talvez, seja apenas um dos grandes atrativos que compõem o cardápio da trupe do Teatro Mágico. Nos bastidores das gravadoras e longe dos holofotes, a banda comemora três anos de muito circo, música, poesia e teatro. E que rufem os tambores! Neste clima de picadeiro, malabaristas, pirofagistas e atores, que dividem a atenção da platéia, com o espetáculo em que a música é apenas uma das partes do show. Liderado pelo vocalista Fernando Anitelli, o Teatro Mágico surgiu com a idéia de levar aos palcos a estrutura de um sarau. E nesse clima, a banda foi ganhando um músico aqui, um trapezista ali e em pouco tempo estava formada a companhia, que no último dia 16, soprando as velhinhas, levou mais de duas mil pessoas ao ginásio do Sesc Ipiranga. Em entrevista por telefone ao !ObaOba, o fundador e vocalista da banda, contou sobre o começo do projeto, o que acha da pirataria e ainda revelou o que gosta de comer quando está em casa:

!ObaOba: Como aconteceu a escolha do nome da trupe?
Fernando: O nome surgiu de um livro chamado “O Lobo da Estepe”, do alemão Herman Hesse. Esse livro é um romance muito bacana sobre questões do intelecto humano e de tudo que trate da rendição do ser humano às questões pertinentes a ele mesmo. E tem um personagem que se depara com uma placa dizendo: “Esta noite o Teatro Mágico Entrada Para Raros”. E foi desse livro que eu tirei a idéia de colocar o nome da trupe.

!ObaOba: Mesmo longe dos holofotes, vocês conquistaram um público fiel que tem lotado as apresentações. O que você achou do show de três anos da banda, que aconteceu no último dia 16 de dezembro? Respondeu as expectativas da trupe?
Fernando: A gente achou um absurdo. Choramos metade da apresentação porque foi a primeira vez que pudemos presenciar uma platéia com mais de 2 mil pessoas, interrompendo uma apresentação para declamar uma poesia que eles fizeram pra gente. Muitas demonstrações de carinho comigo e com todo mundo da trupe, e o público completamente envolvido. A apresentação foi linda pra caramba. Foram praticamente três horas de show, com surpresas, lágrimas, aquilo tudo que a gente busca fazer em um teatro, conseguimos fazer para esse número de pessoas. Foi um presente, um sonho realizado, realmente fantástico.

!ObaOba: Nesses três anos de estrada vocês acham que já criaram uma estabilidade para a produção dos eventos e dos shows? Como funciona o Teatro Mágico nos bastidores?
Fernando: A produção toda é feita pela minha maninha, minha prima, por amigos e amigas. A gente foi se virando e se organizando nesse sentido. Tomamos consciência que se organizando, podemos desorganizar e, desorganizando, a gente pode organizar. Foi a temática da coisa. Então na verdade estamos muito feliz em ver que hoje há uma certa estabilidade, e estamos trabalhando para isso ainda.

!ObaOba: Mas que tipo de estabilidade é essa?
Fernando: Estabilidade é uma coisa muito filosófica para dizer se nos temos ou não. A gente tem a força de vontade pra nunca deixar de fazer as coisas.

!ObaOba: Mesmo com o sucesso da trupe, ainda é difícil viver de arte em um país como o Brasil, ainda mais sem o apoio de uma grande gravadora?
Fernando: É fogo viver de arte em um país de maneira independente e manter a estabilidade, como quando na verdade você tem que depender do público, de outras fontes, de uma data acessível em um teatro e o acesso na rádio. Então é um projeto independente, mas sempre dependemos de algo.

!ObaOba: Em termos financeiros vocês que bancam a produção com dinheiro da venda de CDs, camisetas, DVDs e as entradas?
Fernando: Exatamente. A gente não tem um investimento privado de patrocínio. Isso na verdade nunca existiu. O que sempre existiu foi que a gente foi fazendo a coisa de graça com pouco dinheiro, de maneira apertada, pelo mínimo, conseguindo apoios de malabares de percussão, apoio de maquiagem e mesmo assim muita pouca coisa. Na verdade desde sempre foi uma saída para levar em primeiro ponto a vontade de fazer arte e depois a conseqüência disso à gente naturalmente vai sentir.

!ObaOba: Existe algum lugar específico que vocês queiram se apresentar ainda?
Fernando: A gente quer se apresentar, na verdade, no mundo inteiro. Um lugar que ainda não conhecemos é Tóquio (rs). Propagar a música brasileira tanto em casas de shows, como na periferia, centros culturais, teatros municipais e faculdades. Não queremos perder a nossa essência, a raiz, aquilo que nos trouxe até aqui, continuaremos fazendo e participando de sarau, e sempre em contato com a galera, ninguém ser diferente de ninguém. Ninguém aqui é mais ou menos que ninguém, o que existe é uma força de vontade muito grande em projetar o Teatro Mágico a todos.

!ObaOba: Já que você comentou sobre Tóquio, existe algum plano de levar a trupe ao exterior?
Fernando: Ainda não. Não existiu nenhum contato com o exterior. A gente sabe de pessoas que já levaram o CD pra lá, por exemplo. Eu já dei três entrevistas por email a um jornal da Islândia e dois da Inglaterra. Mas, contatos para shows lá fora, ainda não tem nada. O que tem são algumas pessoas divulgando, amigos tocando em algumas danceterias, comunidades de brasileiros lá fora ouvindo bastante a música.

!ObaOba: E como é a vida fora dos palcos? Vocês exercem profissões paralelas ou se dedicam integralmente ao Teatro Mágico?
Fernando: Algumas pessoas da trupe ainda, por não ter essa estabilidade financeira, tocam com outros grupos, outros dão aulas de música, fazem oficinas, aulas de dança, participam de outros eventos como garçom e fotógrafo. Alguns trabalham no banco, tem loja e é dono de estúdio. Cada um tem a sua individualidade profissional e está somando ela ao Teatro Mágico.

!ObaOba: E você? Tem vivido apenas do Teatro Mágico?
Fernando: Minha profissão sempe foi buscar ser músico. Eu tinha um hobby que era trabalhar no banco e ser professor de inglês e ele me dava dinheiro. Hoje, a minha profissão como músico, ator, compositor me dá condições de viver exclusivamente do Teatro Mágico.

!ObaOba: E essa idéia de mesclar música com poesia, foi uma idéia sua? Foi uma maneira diferente de chamar a atenção do público e fugir da mesmice que assola a cena musical?
Fernando: A idéia nunca foi chamar a atenção do público. Sempre foi amplificar as coisas que aconteciam no sarau. E um sarau é uma coisa fantástica. Tem alguns por aí que realmente parecem muito mais um show de calouros do que realmente um encontro poético, onde todos participam e compartilham as idéias. E foi isso que eu consegui fazer no Teatro Mágico, misturar a poesia e a musicalidade com o teatro e o circo.

!ObaOba: Então o grande intuito de criar o Teatro Mágico, foi o de divulgar a arte e não apenas atingir o público.
Fernando: O Teatro Mágico nunca foi criado como um projeto para atingir determinado nicho de mercado. Ele sempre foi uma expressão, e quis existir, talvez não fosse comigo ou com ninguém da trupe, mas alguém iria criar a trupe nesse planeta e fazer o que a gente está fazendo. Senti necessidade de trazer isso à tona, então, por isso, ele acontece desse jeito. Tem muita da simplicidade, tinta branca na cara, retalho, coisa que vem do folclore brasileiro e de festas populares. Dentro desse contexto que surgiu o grupo.

!ObaOba: Nos shows o que mais chama a atenção é a ousadia. Não existem barreiras musicais e nem limitações na hora de compor. Como funciona esse caldeirão musical que permeia as apresentações?
Fernando: Na verdade, a idéia é justamente isso, misturar tudo. Por que não um violino junto com uma batida de hip hop? Por que não percussão, com teclado e um tecido de circo? Por que não experimentar e ousar nas coisas? Então a idéia foi misturar tudo no sentido de extrair tudo aquilo que é simples, verdadeiro, de coração que vem pra agregar o trabalho e consequentemente o público tem isso como uma surpresa.

!ObaOba: Quais artistas te inspiram na hora de compor?
Fernando: Ney Matogrosso, Antônio Nóbrega, Lenine, Zeca Baleiro, Chico Science e Nação Zumbi, Chico César, Mutantes, Cordel do Fogo Encantado, Hermeto Pascoal, Rolling Stones, Ben Harper, Dave Matthews. Uma porção de gente que faz um trabalho muito bacana. Eu sempre gostei de grupos que sempre levaram a sério a arte sem pasteurizar. Sempre gostei dos artistas que nunca se transformaram em covers de si mesmos, sempre ousaram e nunca tiveram medo de experimentar com a própria arte. E são essas pessoas que me inspiram.

!ObaOba: Você comentou do Antônio Nóbrega, vocês já tentaram alguma parceria com ele?
Fernando: A gente já conversou uma vez eu já deixei um material com ele. Para essa parceria acontecer de fato ele precisaria conhecer o trabalho mais a fundo, conhecer a gente e sentir uma certa afinidade, que foi o que aconteceu com a Simone Soul o Cordel do Fogo Encantado e o Ortega do Pavilhão 9. Eu já conhecia o pessoal, já tinha uma amizade, então a partir daí veio naturalmente essa parceria. Mas com o pessoal que a gente não conhece, demora um pouco mais.

!ObaOba: No show você sempre fala da questão da Pirataria, e de certa forma incentiva o público a piratear o seu trabalho. Como você enxerga a pirataria?
Fernando: Eu falo durante o show que se as pessoas quiserem podem copiar o meu CD e divulgarem entre elas. Das duas mil pessoas que tiverem no show se uma quiser comprar e o resto piratear pode fazer. Eu vendo a cinco reais e para piratear o cara vai ter praticamente o mesmo custo. Então na verdade ninguém pirateia justamente por isso. Pelo contrário, nosso público entende a relação que a gente tem com a cultura, eles entendem o que outros músicos e outros artistas estão passando. Então eles dizem “poxa é por ai”. Eu conheço muitos outros músicos que começaram a divulgar as músicas na Internet, o CD, os trabalhos as poesias. Isso que é importante. Isso que é o grande sarau. Fazer o nosso país compartilhar coisas, idéias, musicas, educação, sabedoria, a sabedoria não tem dono, a arte não tem dono ela tem alguém que produz e para produzir isso precisa de um respaldo para ser executado. Se a música faz algum sentido para você de alguma maneira ela te pertence. Isso pode ser até uma coisa filosófica. Aquilo que é diferente e não te agrega você não imprime. Se a música fez sentido pra você, não tem que proibir na Internet e em nenhuma outra mídia. Por isso que eu estou falando dessa pirataria saudável que é compartilhar a arte. Tornar a arte cada vez mais acessível, isso sim.

!ObaOba: Como você lida com o fato de estar incentivando a pirataria?
Fernando: Quando eu estou dizendo pirateiem o meu trabalho eu estou dizendo compartilhem a música, porque até mesmo compartilhando música na Internet estão tentando proibir. Isso é proibir o acesso à cultura é proibir o acesso de outras pessoas com músicos e com seus trabalhos. E se não for através de um meio livre como é a Internet, ninguém mais vai conseguir escutar coisas novas. Porque essas mesmas multinacionais compram os espaços das rádios para anunciar as músicas de trabalho deles. Essas mesmas multinacionais compram o espaço na televisão para divulgar o trabalho deles. Então na verdade é uma palhaçada todo o sistema que comanda hoje a cultura do Brasil.

!ObaOba: E o mercado fonográfico? Continua sob a ditadura das grandes multinacionais? De que forma você analisa este cenário?
Fernando: Hoje em dia a pirataria é necessária e só existe porque na verdade sete, oito multinacionais cuidam de toda a parte musical do nosso país - a Universal a EMI, a Virgin e outras tantas, que entram Brasil, pegam artistas locais, produzem, lançam CD, por até R$ 60 e nenhum real vai para o artista. Naturalmente vendendo um CD por R$ 60, você já está excluindo grande parte da população que não tem como comprar o CD. Eu por exemplo sou um cara desses. A indústria fonográfica no Brasil hoje mais de 60% do que é comercializado é pirata. Não porque o povo é do mal, não é isso, mas porque é um absurdo ninguém fazer nada contra esse crime que é as multinacionais entrarem e venderem discos por preços absurdos. Então se nós somos uma trupe independente e conseguimos vender um CD por R$ 5 como é que as multinacionais vendem à R$ 60?

!ObaOba: Quando o assunto é comida, o que você gosta de comer em casa?
Fernando: Tudo que tenha muito condimento. Maionese, mostarda, Ketchup. Se misturar tudo isso com maça e banana eu como. Gosto de muito doce, tudo que é besteira eu aprovo. Leite com toddy. Leite ninho com ovo maltine e um pouco de água. Misturem isso e sejam felizes para sempre!

!ObaOba: E restaurantes? Quais você costuma freqüentar sempre que pode?
Fernando: De restaurantes eu gosto dos vegetarianos que tem várias comidas diferentes. Na verdade eu nunca como essas comidas diariamente. Eu gosto porque tem um gosto diferente, mas bem que podia ter uma maionese no meio, eu agradeceria.

Entrevista extraida do site !ObaOba