Palavreado Solto...

Senhoras e senhores! Respeitável público, o Livrevista tem o prazer de apresentar: O Teatro Mágico!
Gabriel P. Ruiz
gabrielpruiz@yahoo.com.br

O Teatro Mágico é um grupo ou uma trupe, como preferem ser chamados, que mistura música, poesia, teatro, circo, cores e uma porção de coisas. A trupe é enorme. São 8 músicos entre dj e violinista, passando pelos instrumentos tradicionais de baixo e bateria, além das performances circenses feitas por outros integrantes. Tudo isso junto. Há um momento no espetáculo em que nos perdemos, não sabemos se olhamos para a banda no palco, ou para Gabi Veiga literalmente voando sobre nossas cabeças. As canções do Teatro mágico - quase todas de autoria de Fernando Anitelli, músico e idealizador do grupo - falam das situações do cotidiano, das impressões sobre o dia-a-dia, do olhar da gente sobre o outro e sobre o mundo.

Quatro horas da tarde. Lá estamos eu e a amiga Marjorie Ribeiro. Ansiosos, aguardamos o contato com Fernando Anitelli e sua trupe.- Olá, você é o Fernando? – pergunto eu ainda perdido por não saber quem é quem, quando Edu se aproxima.-Não, sou o Edu, baterista do Teatro Mágico. Vocês vão fazer a entrevista é isso? – apresenta–se o rapaz, simpático e sem maquiagem, observado os gravadores e cadernetas em nossas mãos.-Isso! – respondemos em coro.Podemos começar então. Esse aqui é o Louis, diz o Edu mostrando um cara grande maquiado, com um nariz vermelho maior ainda e sapatos com os bicos enormes, típicos de palhaço. E eis que começamos...

Para começar por que o palhaço como representante do projeto?
Louis: eu posso falar que já fazia um trabalho de teatro antes do Teatro Mágico, teatro amador, de rua, enfim. E também já trabalhava com a idéia do clown, que é o personagem mais completo nessa disposição de querer fazer tudo, querer estar participando de tudo, como por exemplo, chega com um monociclo e fala: “alguém aí sabe andar de monociclo?” O primeiro que vai levantar a mão vai ser o palhaço, mesmo não sabendo, ele vai cair, vai enfiar o narigão no chão, mas sempre disposto. E a idéia do clown é que cada um tem seu clown. Normalmente quando fazemos uma oficina de clown, vc traz o seu clown que é a sua melhor e pior partes. E encarar dentro desse personagem, usando uma maquiagem ou não, um nariz que seja, o simbolismo do clown está no nariz.

Como é o seu clown?
Louis: O meu Clown já compararam com o Pateta, com Chaves, com Deus e o mundo. Até pelo fato de ter um nariz gigante, um chapéu, todo um trejeito peculiar de dançar de andar no palco, de gesticular.

E vocês fazem alguma coisa paralela ao Teatro Mágico?
Edu: alguns se dedicam cem por cento e outros não. No meu caso trabalho cem por cento com música, acompanho uma dupla sertaneja, então estou envolvido com música, tenho uma gravadora, estou gravando o disco do Trevisan (guitarrista), o trabalho dele. Então graças a Deus estou conseguindo me dedicar totalmente a música, seja na minha lojinha vendendo instrumentos e artigos musicais, seja com Teatro Mágico, seja produzindo, seja sertanejo. Então pra mim eu consegui tornar minha vida acessível dentro da música, o que pessoalmente é uma satisfação enorme.

Você comentou sobre o novo cd, tem previsão, como ele será?
Edu: depois do segundo semestre, setembro, outubro [de 2006], talvez ele deve estar saindo. Várias das músicas já são tocadas nos shows e até pela questão da independência a gente foi compondo, foi montando o segundo disco em show, pra depois gravar, questão de grana e tal. Ele está em fase de produção, está com quase todo o esboço pronto.

Todas as músicas do segundo cd também são do Fernando?
Edu: Então no primeiro cd tem uma ou duas músicas que é do Fernando com o Danilo que é o antigo baixista que tocava com ele antes do Teatro Mágico, que é “o prato do dia”. Agora no segundo, vai estar saindo músicas do Fernando com a Maíra Viana (amiga do Fernando que acabou se tornando produtora da banda), do Fernando com o Trevisan.

Mais ou menos nessa hora, estávamos no ginásio onde a apresentação ocorreria quando começaram a chamar pelo microfone todos os integrantes do Teatro Mágico para a passagem do som. Maíra! Será que tem como a gente falar rapidamente com o Fernando?Tem sim, claro, só esperar ele voltar. – responde solícita a co-autora de algumas canções da trupe. Finalmente Anitelli aparece. Entretanto, o bate papo rola do lado de fora do Ginásio, mas especificamente na área de convivência do Sesc, tipo uma praça de alimentação dos shoppings rodeada de mesinhas. E é numa dessas que Anitelli – de maquiagem, chapeuzinho característico e figurino circense - nos atende, mas não antes de se apresentar, perguntar o nome de cada um e de eu dizer que é uma grande honra recebê-los na cidade...

O que é de fato esse projeto do Teatro Mágico?
Fernando: é um trabalho independente cada vez mais acessível, de uma trupe que veio do mundo mágico de Oz... de Osasco! Fazer com que este trabalho seja uma coisa estável é muito complicado porque a gente não tem apoio de ninguém. E estamos levantando a bandeira da independência, indo aos trancos e barrancos. A apresentação de hoje aqui (25/05/06; Bauru-SP) é um marco pra nós, porque agora que estamos começando a se apresentar no interior de São Paulo. Saímos apenas uma vez de Sampa para tocar em Curitiba e existem várias comunidades no orkut do Brasil inteiro, Minas, Paraíba, Rio Grande do Sul, que tratam sobre o Teatro Mágico só que a gente nunca foi pra nenhum desses lugares. E é muito legal saber que existem pessoas de lugares distantes que enxergam uma coisa comum com nosso trabalho. Porque o que a gente faz nada mais é trabalhar com a cultura, misturar teatro, circo, música brasileira, rock, tudo isso com influência em sarais, festas populares, festas de rua. Eu conheci a grande maioria das pessoas ou na rua perto de casa ou nos sarais freqüentando-os. Sempre gostei de misturar poesia com qualquer coisa que não fosse capaz de ser dialogável. A gente tem influência de Mutantes, Secos e Molhados, Antônio Nóbrega, Cordel, Tom Zé e outras coisas.

Como ser formou a trupe?
Fernando: Quando foi gravado o CD não era essa trupe ainda. Eu gravei o cd e fui convidando amigos, entre eles o pessoal do Cordel, do Pavilhão 9, Simone Soul do Funk Como Lê Gusta. E uma vez que o cd estava pronto, ele foi tratado como uma peça de teatro. Tem algumas ambiências nele, tem umas texturas que a gente gravou. E todas as músicas são linkadas umas as outras. A música não tem fim, as músicas se transformam. E a segunda parte do projeto era tornar isso acessivo ao vivo. Foi aí que eu convidei outros amigos, alguns que gravaram o cd e outros que poderiam nos acompanhar vestindo a camisa, fazendo as apresentações ao vivo pra poder tornar esse trabalho uma coisa capaz, sair de Osasco. E a gente buscava nas pessoas cem por cento de disposição e entender qual era a idéia do projeto, de não ter palco e platéia, mas que durante duas horas as pessoas possam encontrar um comum, uma semelhança entre elas ali. Era com essa disposição, com esse espírito que a gente queria montar a trupe. Começamos a fazer oficinas, a ler textos sobre as músicas, a ler alguns textos do Hermann Hesse, que foi de onde eu me inspirei pra dar nome ao cd, à trupe. O Teatro Mágico – entrada para raros é uma passagem de um livro dele chamado O Lobo da Estepe e em função disso a gente começou a se encontrar cada vez mais e a trupe foi se tornando uma célula criativa. É sempre com a idéia de somar, nunca com a idéia de show. Eu falo que o Teatro Mágico não é um show, é uma desculpa esfarrapada pra uma porção de gente rara se encontrar e fazer daquele espaço algo digno de ser compartilhado. Até porque todo mundo é raro, se você pensar só existe um de cada um de nós, consequentemente, já estamos em extinção.

Em relação ao lema de vocês, “os opostos se distraem, os dispostos se atraem”, queria que comentasse.
Fernando: Essa idéia justamente porque a gente sente que se não tivermos coragem pra quebrar os ditados populares, encarar o teatro mágico que é o nosso dia-a-dia, a gente muitas vezes fica encaixado dentro de um contexto que nem mesmo a gente sabe qual é. Então, essa frase pra mim resume toda a idéia do que é o Teatro Mágico.

Sobre cena independente, vocês já foram flertados por alguma gravadora?
Fernando: algumas gravadoras já ficaram interessadas em trabalhar conosco e o que dissemos é que buscamos uma distribuição, queremos ter liberdade para opinar na nossa própria obra e saber por quanto ela vai ser vendida e a relação dela com nosso público. Hoje nosso CD, que tem 19 faixas é vendido a 5 reias. Uma multinacional pega um artista de expressão, trabalha ele e vende o trabalho dele por 40 reais e nem 1 real vai pra esse artista. Nós somos completamente contra isso. Colocamos todas as músicas do CD pra serem baixadas no nosso site. Nós incentivamos as pessoas que não tiverem dinheiro a piratear nosso trabalho e distribuir cópias mesmo. O que a gente quer é que contra burguês baixe mp3.

E Fernando é você que compõe a maioria das músicas, como é isso de pegar uma crônica ou um fato e transformar em música?
Fernando: qualquer coisa pode virar música! Por exemplo: (e ele começa a cantarolar) Na hora de tomar café, é café...enfim. Você pode fazer música pra café, pra chiclete, pra sandália. Isso acontece porque você pode se inspirar em qualquer coisa, em uma palavra errada que você falou, pode servir de inspiração uma situação triste, uma conquista. A questão é que a música do chiclete tem um porquê de ela estar ali. O problema é quando o artista confunde a obra com o comercial de chiclete e passa a fazer as coisas completamente pasteurizadas. Você pensa, peraí: essa música esse cara já não compôs em dois discos atrás, esse cara já não escreveu isso uma vez? A questão de arriscar naquilo que você faz, de ousar no seu trabalho é uma coisa atrelado ao artista. Você não pode, ah isso aqui deu certo, vou usar sempre essa fórmula, isso não existe né! Senão o que seriam das inovações de Tom Zé, Lenini, Chico Science, Chico César, Chicos em geral, enfim. Essas referências todas nos ajudam pra gente acreditar que tudo aquilo que a gente ta fazendo faz sentido.

Pra finalizar, uma rapidinha com o Fernando...
Cultura – necessária
Arte – alimento diário
PT – estamos juntos, voto no Lula de novo
Palhaço – meu sonho de criança
Um livro – o lobo da estepe do Hermann Hesse
Uma banda – que trata da música como verdade
Sexo – quase todo dia, quase toda segunda, quase toda terça...